Eis um belo texto, que nos inspira a buscar o estudo, a oração e uma vida coerente! Deus vos
abençoe e Maria vos proteja!
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Costuma-se separar
demais o estudo da vida interior, e não se observa o bastante a belíssima
gradação que se encontra no cap. 48 da Regra de São Bento: “lectio,
cogitatio, studium, meditatio, oratio, contemplatio”. Santo Tomás, que
recebeu sua primeira formação dos beneditinos, conservou esta gradação
admirável na sua Suma Teológica, no lugar onde trata da vida contemplativa
(IIa. IIae. q. 180, a. 3).
Ora, dessa excessiva
separação entre estudo e oração, seguem-se muitos defeitos: os sacrifícios e as
dificuldades que não raro se encontram nos estudos, não são mais considerados
como uma penitência salutar, nem são adequadamente ordenados a Deus; assim, por
vezes sobrevêm fadigas e fastio, sem que delas se tire nenhum fruto religioso.
Por outro lado, por
vezes se encontra no estudo o deleitamento natural, que poderia ser ordenado a
Deus, em espírito de fé viva, mas que não raro permanece puramente natural, sem
qualquer fruto para a alma religiosa.
Santo Tomás fala
desses dois desvios na IIa IIae, q. 166, onde trata da virtude da estudiosidade ou da aplicação aos estudos, que
deve ser governada pela caridade, contra a curiosidade desordenada e contra a preguiça,
a fim de que se estude o que convém, como convém, quando e onde convém
e, sobretudo, para que se estude com o espírito e o fim mais
apropriado para melhor conhecer o próprio Deus e para a salvação das almas.
Mas, para evitar os
defeitos acima, opostos um ao outro, é bom lembrar-se de como nosso
estudo intelectual pode ser santificado, considerando, em primeiro lugar, o
que recebe a vida anterior do estudo retamente ordenado; em seguida, e por
outro lado, o que o estudo da Sagrada Teologia pode cada vez mais receber da
vida interior. Na união destas duas atividades de nossa vida, verifica-se o
princípio: "Causae ad invicem sunt causae, sed in diverso genere";
há entre elas uma relação de mútua causalidade e de prioridade verdadeiramente
admirável.
O que a vida interior
deve ao estudo
A vida interior, pelo
estudo da teologia, é preservada sobretudo de dois graves defeitos: subjetivismo,
na piedade, e particularismo.
O subjetivismo, no
que toca a piedade, hoje comumente chamado de "sentimentalismo", é
uma certa afetação de amor, desprovida do verdadeiro e profundo amor de Deus e
das almas. Este defeito provém do fato de prevalecer na oração a inclinação natural
da nossa sensibilidade, conforme a índole de cada um. Prevalece alguma emoção
da sensibilidade que, por vezes, é expressa com algum lirismo, mas que carece
do sólido fundamento da verdade. (...)
Ao contrário, nossa
vida interior deve estar fundada na verdade divina. Isto, de certo,
já ocorre pela própria fé infusa, fundada na autoridade de Deus que a revela.
Mas o estudo bem ordenado em muito ajuda a bem conhecer em que propriamente
consistem as verdades da fé, independentemente de nossas disposição
subjetivas. O estudo ajuda sobretudo a formar uma reta noção sobre as
perfeições de Deus, sobre Sua bondade, misericórdia, amor, justiça e ainda sobre
as virtudes infusas, sobre a verdadeira humildade, religião e caridade, não
permitindo a mistura de emoções não fundadas na verdade. Por essa razão, Santa
Teresa, como a própria afirma em seu Livro da Vida, capítulo 13,
muito recebeu das conferências dos bons teólogos, para que não se desviasse da
senda da verdade nas enormes dificuldades.
Nosso estudo bem
orientado liberta nossa vida interior, não apenas do subjetivismo, mas também
do particularismo, que provém do influxo excessivo de certas
idéias, particulares de algum tempo ou região, que após uns trinta anos já se
mostrarão obsoletas. Em tempos passados, prevaleceram certas idéias ou
filosofias que hoje já não agradam; assim ocorre a cada geração; surgem
sucessivas opiniões e admirações que passam com a figura do mundo, enquanto
permanece a palavra de Deus, da qual o justo deve viver.
Assim, o estudo bem
ordenado verdadeiramente conserva, na vida interior, a devida objetividade, sobre
todos os desvios da sensibilidade, e a universalidade, fundada
naquilo que sempre e por toda a parte a
Igreja ensinou. E assim, cada vez mais percebemos que as verdades mais
altas, mais profundas e mais vitais nada mais são que as verdades
elementares do Catolicismo, desde que profundamente examinadas e
tornadas objeto de quotidiana meditação e contemplação. (...)
É coisa de máxima
importância viver profundamente destas verdades, sem nenhum desvio do
subjetivismo, sentimentalismo ou particularismo de qualquer tempo ou região.
Nisso, também, nossa vida interior tem muito a receber do bom estudo; e este é
o ótimo fruto da penitência que se encontra nas dificuldades
do estudo, e fruto muito mais precioso do que o deleitamento natural, que pode
existir no labor intelectual não suficientemente santificado ou ordenado a
Deus. (...)
A vida interior,
portanto, é, pelo estudo, preservada de muitos desvios, para que permaneça objetiva,
e verdadeiramente fundada na doutrina que sempre e em toda parte se transmitiu.
Mas há, por outro lado, um influxo da vida interior no estudo da Sacra
Teologia.
O que o estudo da
teologia deve à vida interior
Não raro, este estudo
fica sem vida, quer na parte positiva, quer na especulativa e abstrata. Muitas
vezes falta nele o espírito alto e o influxo das
virtudes teologais (fé, esperança e caridade) e dos dons da
inteligência e da sabedoria. Por conseqüência, o saber teológico muitas vezes
não é aquela "ciência saboreada" da qual fala Santo Tomás na
primeira questão da Suma Teológica.
Não raro nossa mente
estaciona nas próprias fórmulas dogmáticas, na sua análise
conceitual, nas conclusões deduzidas, e não costuma, por essas
fórmulas, penetrar no mistério da fé, para saboreá-lo espiritualmente e
para dele viver.
Convém dizer isto
porque muitos santos que não puderam fazer tantos estudos como nós, penetraram
muito mais profundamente nestes mistérios da fé. Assim, São Francisco de Assis,
Santa Catarina de Sena, São Bento-José Labré e muitos outros que certamente não
fizeram de modo abstrato e especulativo a análise conceitual dos dogmas da
Encarnação, da Redenção, da Eucaristia, nem deduziram as conclusões teológicas
que conhecemos e que, no entanto, mais profundamente e com santo realismo
tiraram destes mistérios vida abundante.
(...)
Assim, se crescesse
diariamente nossa vida interior, exerceria uma influência muito fecunda em
nosso estudo, que se tornaria mais vívido a cada dia.
O estudo e a vida de
oração, pois, são causa um do outro em bela harmonia.
Qual é o fruto deste
influxo mútuo?
(...)
Se, verdadeiramente,
em espírito de fé, oração e penitência, nossa mente se dedicasse ao estudo da
teologia, então a nós se aplicariam estas palavras de Santo Tomás (IIa IIae
188, 6): "A doutrina e a pregação devem ser derivadas da plenitude da
contemplação", até certo ponto, como a pregação dos Apóstolos depois
de Pentecostes.
A Teologia, assim
compreendida, é de grande importância para o ministério das almas. Ela própria
forma profundamente o espírito para julgar sabiamente, conforme a mente de
Cristo e da Igreja; para exortar as almas à perfeição segundo princípios
verdadeiros, p. ex., para mostrar que, a par do preceito supremo: "Ama
teu Deus de todo o teu coração..." todos cristãos devem tender à
perfeição da caridade, cada qual conforme a medida de sua condição.
E não podemos chegar
a esta plena perfeição da vida cristã sem vivermos profundamente dos mistérios
da Encarnação redentora e da Eucaristia, sem penetrar neles e sem os saborear
pela fé ilustrada pelos dons de inteligência e sabedoria. Para isto, é de
grande ajuda, com efeito, o estudo da teologia, desde que retamente ordenada,
não à nossa satisfação, mas ao maior conhecimento de Deus e à salvação das
almas.
Assim, mais e mais
poderão se verificar em nós aquelas belas palavras do Concílio Vaticano (Denz.
1796), que encerram como que uma definição da Sacra Teologia: "A razão
ilustrada pela fé, quando busca cuidadosa, pia e sobriamente, alcança, por dom
de Deus, alguma inteligência, e muito frutuosa, dos mistérios, ora por analogia
do que naturalmente conhece, ora pela conexão dos mistérios mesmos entre si e
com o fim último do homem...".
O estudo da sagrada
teologia, por vezes difícil, árduo, mas frutuoso, a tal ponto dispõe nossas
mentes à luz da contemplação e da vida, que é como que uma introdução e um
certo começo da vida eterna.
(Extr. de "De Deo Uno",
Desclée de Brouwer et Cie, Paris pp. 30-34. Tradução: PERMANÊNCIA)