quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O seguimento de Cristo



O cristão deve constantemente refletir se realmente está fazendo da sua vida um “seguimento de Cristo”, se está aberto a ouvir a Sua vontade e, dessa forma, busca realizá-la. Entretanto, continuando esse pensamento inicial, o que é ser Cristão? Bem, para essa questão pode haver respostas diferentes, adoto aqui a de minha predileção: ser cristão é conformar-se a Cristo, e conformar significa tomar a mesma forma; assim, ser cristão é buscar tomar a forma de Jesus em todas as situações. Sem dúvidas um grande desafio!

Pode-se tomar a forma de Cristo em situações simples e agradáveis do cotidiano, como na hora do almoço, vivendo a fraternidade em família; em uma conversa alegre entre amigos; em uma festa para celebrar o matrimônio de um casal querido, entre outras situações. Deve-se, porém, estar disposto a também tomar a forma de Cristo na cruz, entregando a Ele as próprias dificuldades, indo ao encontro do irmão que precisa de cuidado e atenção ou gastando e doando a vida por aqueles que dela necessitam. Dizia São João Bosco que nossa vida é um presente de Deus e o que fazemos dela é o nosso presente a Ele.

O seguimento de Cristo é descrito na doutrina tradicional sobre a vida interior e a experiência mística (vivência espiritual concreta), que aponta três etapas ou vias, as quais não são diversas, mas partes de um mesmo caminho, e o caminhar lembra conversão, visto que diariamente se percorre um itinerário de mudança e aperfeiçoamento, buscando conformar-se cada vez mais ao Mestre.

A primeira via de que se fala é a via purgativa, “se for bem entendida, a observância dos mandamentos é sinônimo da via purgativa: de fato significa vencer o pecado, o mal moral nas suas diversas formas; e isto leva a uma progressiva purificação interior” [1]. Trata-se da fase inicial, em que é necessário mais atentamente vigiar a si mesmo, haja vista a maior tendência às paixões, ao egoísmo e ao “hábito de pecado”.

Simultaneamente, com essa purificação, descobrem-se os valores mais elevados e passa-se então à via iluminativa. “Com efeito, os valores são luzes que iluminam a existência e, à medida que o homem se esmera a si próprio, brilham cada vez mais intensamente no horizonte da sua vida. Por isso, juntamente com a observância dos mandamentos – observância que tem primariamente um significado purificador – vão-se desenvolvendo no homem as virtudes” [1]. Desse modo, o indivíduo é guiado pelas virtudes que aprende e o seguimento torna-se mais natural, sem parecer grande esforço. “Com o passar do tempo, se o homem seguir com perseverança o Mestre que é Cristo, sentirá cada vez menos dentro de si o peso da luta contra o pecado e passará a gozar sempre mais da luz divina que penetra toda a criação” [1].

Por fim, surge a via unitiva, em que a alma experimenta uma especial união com Deus, “o homem encontra Deus em tudo, está em contato com ele em tudo e através de tudo. As coisas criadas deixam de ser um perigo para ele, como o eram sobretudo quando percorria a via purgativa; as coisas, e particularmente as pessoas, não só readquirem a luz própria que lhes conferiu o criador, mas de certo modo ‘tornam acessível’ – se assim se pode dizer – o próprio Deus no modo como Ele quis revelar-se ao homem, ou seja, como Pai, Redentor e Esposo” [1]. Realiza-se aquilo sobre o que o apóstolo Paulo falava: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” [2]. Certamente, não é fácil chegar a tal união; contudo, deve-se procurá-la sempre, principalmente através da vida de oração, da busca dos Sacramentos, em especial a Eucaristia e a Reconciliação (confissão), e de uma vivência coerente e autêntica em busca da Verdade, anunciando a boa nova de Cristo com a própria vida.

O Catecismo da Igreja Católica ensina, logo no início, que “o desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar” [3]. O que faz o ser humano superior a toda a criação não é tanto a sua razão, mas especialmente o fato de que ele é chamado para Deus, “o aspecto mais sublime da dignidade humana está nesta vocação do homem à comunhão com Deus” [4].

O seguimento de Cristo tem também uma dimensão existencial, implica certos compromissos e responsabilidades para quem quer segui-lo, aos quais se deve estar sempre disposto a abraçar, mesmo que apareçam calvários e cruzes, pois, como diz Santo Agostinho, “fizeste-nos para Vós e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Vós” [5]. O coração de cada ser humano está inquieto e só em Deus encontrará a plena realização da própria humanidade.


[1] João Paulo II. Memória e Identidade. Editora Objetiva;
[2] Gl 2, 20;
[3] Catecismo da Igreja Católica, 27. Editora Loyola;
[4] Constituição Pastoral Gaudim et Spes, sobre a Igreja no mundo atual;
[5] Santo Agostinho. Confissões I, 1,1. Editora Paulus.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Cantos de Amor à Mãe Igreja



Eis um belo texto do Cardeal teólogo Henri de Lubac. Detalhe importante: quando escreveu o livro Meditation sur l’Eglise” (Meditações sobre a Igreja, numa tradução livre para o português), na década de 1950, o então Padre Henri de Lubac estava sob voto de silêncio, o qual acolheu em total obediência e amor à Mãe Igreja, acusado injustamente de liberalismo teológico por alguns membros da própria Igreja (somente conhecendo o clima vivido naquela época pode-se compreender o fato). Mais tarde, compreendeu-se o equívoco e o Padre Henri de Lubac foi um dos principais consultores teológicos do Concílio Vaticano II, posteriormente feito Cardeal pelo Beato Papa João Paulo II. Sigamos o exemplo desse grande homem, no amor e na obediência à Santa Madre Igreja.
O texto foi retirado do site www.domhenrique.com.br , o qual recomendo a todos como excelente fonte de leitura. Deus vos abençoe e Maria vos proteja!
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O homem da Igreja ama a beleza da casa de Deus. A Igreja roubou seu coração. É sua pátria espiritual. É sua mãe e seus irmãos. Nada que lhe diga respeito deixa-lhe indiferente ou afastado. Ele se radica em seu solo; forma-se à sua imagem, integra-se na sua experiência; sente-se rico das suas riquezas. Tem consciência de participar por meio dela, e apenas por meio dela da estabilidade de Deus. Dela aprende como viver e como morrer. Não a julga, mas se deixa julgar por ela. Aceita com júbilo todos os sacrifícios por sua unidade.
O homem da Igreja ama o seu passado. Medita sobre sua história. Venera e explora sua tradição... Aceita o ensinamento do magistério como norma absoluta. Acredita simultaneamente que Deus nos revelou tudo, de uma vez por todas, no Filho e que, todavia, o pensamento divino adapta a cada época, na Igreja e mediante a Igreja, o entendimento do mistério de Cristo... E compreende, enfim, em qualquer circunstância, que não pode ser um membro ativo do corpo se não for antes de mais nada um membro submetido, dobrável e dócil à direção da cabeça. Não pretende, mesmo submetendo-se integralmente em tudo, trabalhar por conta própria à margem da comunidade. Não se reconheceria o direito de dizer-se homem da Igreja se não fosse acima de tudo e sempre, com absoluta sinceridade, seu filho... Ela não nos deu à luz para em seguida nos abandonar e deixar que cada um corra o seu risco: mas sim nos conserva e nos mantém unidos no seu seio materno. Nunca deixamos de viver do seu espírito, como as crianças encerradas no seio materno vivem da substância da mãe. Todo católico autêntico nutre para com ela um sentimento de terna piedade. Gosta de chamá-la com o título de “mãe”, título saído do coração dos seus primeiros filhos, como os textos da antiguidade cristã testemunham abundantemente. Todo católico verdadeiro proclama com São Cipriano e Santo Agostinho: Não pode ter Deus como pai quem não tenha a Igreja como mãe...
Seja, portanto, louvada essa grande Mãe, pelo mistério divino que nos comunica, introduzindo-nos nele através da dupla porta, constantemente aberta, da sua doutrina e da sua liturgia! Seja louvada pelo perdão que nos assegura! Seja louvada pelos focos de vida religiosa que suscita, que protege e cuja chama mantém viva! Seja louvada pelo universo exterior que nos desvela e em cuja exploração nos guia! Seja louvada pelo desejo e a esperança que cultiva em nós! E louvada seja inclusive por tudo aquilo que ela desmascara e dissipa nas nossas ilusões, para que a nossa adoração seja pura! Louvada seja essa grande Mãe!
Mãe casta, nos infunde e conserva em nós uma fé sempre íntegra, que nenhuma decadência humana, nenhum envelhecimento espiritual, por mais profundo que seja, pode manchar. Mãe fecunda, não cessa de nos dar novos irmãos por meio do Espírito Santo. Mãe universal, cuida igualmente de todos, dos pequenos como dos grandes, dos ignorantes como dos sábios, do humilde povo das paróquias como da grei eleita das almas consagradas. Mãe venerável, nos garante a herança dos séculos e tira do seu tesouro coisas antigas e novas. Mãe paciente, recomeça a cada dia sem se cansar a sua obra de lenta educação e reconstrói, um por um, os fios da unidade que os seus filhos continuam rompendo. Mãe atenta, nos protege contra o Inimigo, que ronda em nossa volta procurando nos desmembrar. Mãe amorosa, que não nos dobra sobre si mesma, mas nos lança ao encontro de Deus, que é todo amor...
Sê louvada, ó Mãe do belo amor, do temor salutar, da ciência divina e da santa esperança! Sem ti, nossos pensamentos permanecem esparsos e flutuantes: tu os ligas em um feixe robusto. Tu dissipas as trevas em que alguém treme, se desespera ou, mesquinhamente, retalha sob sua medida, o romance do infinito. Sem nunca nos desencorajares , nos proteges dos mitos enganadores, nos poupas o desencaminhamento e o desgosto de todas as igrejas feitas por mãos de homem. Tu nos salvas da ruína em presença de nosso Deus! Arca vivente, porta do Oriente; Espelho imaculado da atividade do Altíssimo! Tu, que és amada pelo Senhor do universo, iniciada em seus segredos e que nos instruis sobre aquilo que lhe agrada! Tu, cujo esplendor espiritual, nos piores momentos, não nos ofusca! Tu, graças a quem a nossa noite é banhada de luz! Tu, por quem todo dia o sacerdote sobe ao altar do Deus que renova a sua juventude! Sob a escuridão do teu manto terrestre, a glória do Líbano está em ti. Tu nos dás todo dia aquele que unicamente é a vida e a verdade! Por ti temos a esperança da vida. Tua recordação é mais doce que o mel e aquele que te escuta nunca conhecerá a confusão. Mãe santa, mãe única, mãe imaculada! Ó grande Mãe! Santa Igreja, verdadeira Eva, a única verdadeira Mãe dos viventes! (Meditation sur l’Eglise)