“Talvez
não haja nos Estados Unidos uma centena de pessoas que odeiem a Igreja
Católica, mas há milhões de pessoas que odeiam o que erroneamente supõem que
seja a Igreja Católica.” Fulton Sheen, arcebispo americano
Este
texto nasceu da seguinte pergunta, que me foi dirigida há algum tempo: qual o
posicionamento da Igreja sobre a Inquisição? A Inquisição foi uma instituição
bastante complexa e sua atuação diferiu conforme o período. Falar dela em um
pequeno espaço é um grande desafio; contudo, tento enfrentá-lo.
Inicialmente,
deve-se ter honestidade histórica, ou seja, procurar analisar um período
segundo a mentalidade das pessoas da época, não com a que temos hoje. Analisar
um texto fora do contexto é pretexto para denegrir a imagem da Igreja. É
impossível compreender corretamente a Inquisição sem mergulhar no contexto
histórico e cultural da época. Mesmo a Enciclopédia Iluminista francesa, de
1765, embora abertamente anticlerical (o que se percebe pelas palavras usadas),
atestou o exagero nos ataques à Inquisição:
“Sem
dúvida, imputaram-se a um tribunal, tão justamente detestado, excessos de
horrores que ele nem sempre cometeu; mas é incorreto se levantar contra a
Inquisição por fatos duvidosos e, mais ainda, procurar na mentira o meio de
torná-la odiosa.”
Veja
que, mesmo os Iluministas, que berçaram a perseguição e a difamação à Igreja
como as vemos hoje, reconhecem os exageros. Creio que o testemunho dos próprios
inimigos da Igreja tenha grande valor.
Passemos
então a analisar alguns pontos:
1. Durante
a Idade Média, o que havia de mais importante na vida das pessoas era a fé, algo
logicamente estranho para os povos atuais. Estabeleceu-se o fenômeno a que
chamamos Cristandade, todos os setores da vida buscavam seguir e obedecer aos
ideais cristãos, dos quais a Igreja era a guardiã (lembre que não havia ainda
protestantes da forma que compreendemos hoje, o Cristianismo era um só até o
início do século XVI).
2. A
Inquisição teve origem com a população e com reis, não com a Igreja. Algumas
heresias estavam crescendo rapidamente, entre elas a dos Cátaros, os quais eram
maniqueístas (gnósticos), ou seja, acreditavam em um Deus do bem criador da
alma e em um Deus do mal criador do corpo, de forma que praticavam comumente o
suicídio para se livrar da matéria corporal (chama-se “endura” a esse
suicídio). Com esse pensamento, matavam também mulheres grávidas de formas
cruéis. Eram também saqueadores e violentos, invadindo e queimando vilas,
feudos e cidades emergentes. Diante disso, a própria população e os reis
estavam matando os hereges sem nenhum critério ou julgamento, até mesmo sob
protesto de vários bispos. Devido ao clamor popular, que reclamava da demora da
Igreja em agir, e dos abusos que estavam sendo cometidos, foi instaurado o
Tribunal da Santa Inquisição.
Ademais,
vale ressaltar a ingerência dos imperadores na esfera eclesiástica (os
imperadores da época tentavam constantemente submeter o poder do Papa), cite-se,
como exemplo, Frederico II, que tentou submeter a Igreja para usá-la conforme
seus objetivos de poder. Assim, a instituição da Inquisição também teve como
intenção impedir a prática de crimes políticos em nome da Igreja. Essa
tentativa de usar a Igreja para alcançar objetivos próprios obteve êxito
séculos mais tarde em Portugal e na Espanha, onde a Inquisição passou a ser, na
prática, completamente dominada pelos reis.
3. A
Inquisição só julgava católicos, se foi usada contra não-católicos (os reis
fizeram isso, visando a interesses eminentemente políticos), foi à revelia e
contra as orientações da Igreja.
4. Os
responsáveis da Igreja pela Inquisição eram principalmente os franciscanos e os
dominicanos, homens de preparo e prestígio, duas ordens tidas em alta
consideração e seriedade até hoje. Vale ressaltar que muitos dos inquisidores
foram inclusive canonizados, ou seja, são homens de santidade declarada.
Sabe-se como é rigoroso um processo de canonização.
O
Historiador americano, protestante,
Charles H. Lea, em seu livro “Histoire de L’Inquisition au moyen age”, diz o
seguinte:
“A
Inquisição não foi uma instituição arbitrariamente concebida e imposta ao mundo
cristão pela ambição e pelo fanatismo da Igreja. Foi antes o produto de uma
evolução natural, poder-se-ia quase dizer necessária, das diversas forças de
ação no século XIII. Os inquisidores se preocupavam muito mais em converter os
hereges do que em fazer vítimas... Estou convencido de que o número de vítimas
que pereceram na fogueira é muito menor do que se julga ordinariamente. Entre
os modos de repressão empregados em consequência das sentenças inquisitoriais,
a fogueira foi relativamente o menos usado.”
A
Inquisição também salvou muitas pessoas, as quais, se julgadas pelo poder
civil, fatalmente seriam mortas sem mesmo gozar da oportunidade de julgamento.
5. A
Inquisição foi um avanço no que se refere ao Direito Penal, trazendo garantias
jurídicas aos acusados até então inexistentes. Ainda eram usados pelos
tribunais civis os “Juízos de Deus” (ordálios), herança dos bárbaros germânicos
que o Cristianismo combateu duramente: neles havia a prova de fogo ou a prova
da água, nesta o acusado era submetido à água fervente, acabando por confessar,
culpado ou não. Como exemplo de avanços, pode-se apontar a possibilidade do
perdão da pena; a tortura era regulamentada, ou seja, limitada (na época era
altamente normal e usada desmesuradamente pelo pode civil na maioria dos
tribunais europeus), de forma que não se podia derramar sangue ou deixar o
indivíduo desacordado, era usada em último caso e, se o indivíduo confessasse,
teria que confirmar a mesma confissão posteriormente, sem que estivesse sob
tortura, senão não seria válida; as prisões eclesiásticas eram mais
estruturadas e humanas do que as prisões civis normais, entre outros avanços.
A
Igreja em si não condenava ninguém à morte diretamente, apenas aplicava penas
espirituais e algumas outras penas corporais, estas foram gradativamente sendo
abolidas com o passar do tempo. O que ela fazia, quando o herege era contumaz,
ou seja, não se arrependia, era relaxá-lo ao braço secular (condenação
indireta, pois sabia que, entregando às autoridades seculares, o indivíduo
seria morto). Dessarte, ela não pronunciava ou executava uma sentença de morte,
embora a aceitasse, isso no contexto jurídico da época. Isso cabia ao Estado; à
Igreja não era lícito derramar sangue.
O
historiador Giacomo Martina afirma que “as condenações à morte foram
relativamente raras; pode-se falar de um percentual aproximado de 5% em relação
aos processos levados até o final”. Um número muito abaixo do que se costuma divulgar
nas escolas e universidades, onde se fala em milhões de mortos.
6.
Obviamente, não se pode negar que houve abusos na utilização desse tribunal, sabe-se
que havia membros do clero altamente corrompidos e indignos do cargo que
exerciam, além do que, a partir do século XV, aproximadamente, a Inquisição
ficou, na verdade, principalmente sob o controle dos reis. Muitas vezes o pode
civil ultrapassou o eclesiástico para eliminar adversários políticos usando a
Inquisição. Em Portugal, ela só acabou no século XIX e se chamava Inquisição
RÉGIA (note o adjetivo).
7.
Também houve inquisição protestante, por parte de todos eles (Anglicanos, Calvinistas,
Luteranos etc).
O
principal órgão administrativo de Calvino era o Consistório, composto por
pregadores e anciãos, aos quais competia vigiar pela pureza da fé, inquirir os
suspeitos e julgá-los.
Em
1525, Lutero assim escreveu em sua “Carta Aberta sobre o Livro contra os
Camponeses”:
“Se
acreditam que esta resposta é demasiadamente dura e que seu único fim é
fazer-vos calar pela violência, respondo que isto é verdade. Um rebelde não
merece ser contestado pela razão porque não a aceita. Aquele que não quer
escutar a Palavra de Deus, que lhe fala com bondade, deve ouvir o algoz quando
este chega com o seu machado (...) Não quero ouvir nem saber nada sobre
misericórdia.”
Note
que o pensamento protestante extrapolava a esfera do julgamento de hereges e
buscava até mesmo converter à força os que não compartilhavam sua fé, o contrário
das orientações dadas à Inquisição Católica.
Assim, atesta-se que a Inquisição não foi exclusividade da “Igreja Católica malvada”,
mas fruto do pensamento e do contexto da época.
8.
Veja o argumento de Santo Tomás de Aquino sobre a Inquisição, serve para vermos
como raciocinavam os homens daquele tempo. NÃO SE PODE ANALISAR A INQUISIÇÃO
COM A MENTALIDADE DE HOJE. O SÉCULO XX MATOU MUITO MAIS PESSOAS NAS GUERRAS E
NOS REGIMES TOTALITÁRIOS (FALA-SE EM 100 MILHÕES DE VÍTIMAS SÓ NOS REGIMES
COMUNISTAS) DO QUE TODA A INQUISIÇÃO, PORTANTO NÃO TEM MORAL PARA FALAR DELA: “É
muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a
moeda que é um meio de prover à vida temporal. Se, pois, os falsificadores de
moedas e outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte pelos
príncipes seculares, com muito mais razão os hereges, desde que sejam
comprovados tais, podem não somente ser excomungados, mas também em toda
justiça ser condenados à morte” (Suma Teológica II/II 11,3c).
9. A
Inquisição foi uma instituição necessária para a sua época, não fosse ela,
talvez não tivéssemos a sociedade avançada e desenvolvida que temos hoje, a
qual nos traz inúmeros benefícios científicos, tamanho o avanço das heresias e
de suas idéias (relembre-as no início do texto e procure aprofundar-se sobre) e
a corrupção de muitos membros da Igreja.
10.
Em 1998, o Vaticano fez um simpósio sobre a Inquisição, para o qual convocou 30
renomados historiadores católicos e não-católicos, oportunidade em que
investigaram, de forma séria e o máximo possível imparcial, o que realmente ocorreu,
o que é mito e o que é realidade. Em 2000, o Papa João Paulo II pediu desculpas
pelos erros DOS FILHOS DA IGREJA, que são humanos e, dessa forma, passíveis de
erro.
Percebe-se
então que a Inquisição não foi a instituição satânica que muitos historiadores,
em especial os marxistas, insistem em dizer. A intenção dos filhos da Igreja
era a melhor possível, evitar que almas fossem perdidas e proteger o bem mais
valioso que existia, a fé, apesar de, infelizmente, ter havido abusos,
principalmente por desobediência às próprias orientações dos Papas. É
importante e aconselhável o aprofundamento no assunto, visto que a complexidade
do tema não permite uma boa explicação em um curto texto.
Para
concluir, cito o historiador Daniel Rops, vencedor do prêmio da Academia
Francesa de Letras por sua obra sobre a história da Igreja:
“A Inquisição,
mesmo tomada nos seus piores aspectos, nem se compara com os regimes
totalitários modernos; as suas prisões não atingem os números dos campos de
concentração, e as suas fogueiras são largamente ultrapassadas pelas câmaras de
gás.” (Vol. III, p. 612)
Bibliografia
utilizada e indicada:
Aquino,
Prof. Felipe. Para entender a Inquisição.
Editora Cleofas
Bernardino Garcia Gonzaga, João. A Inquisição em seu Mundo. Editora
Saraiva