O termo quaresma origina-se do latim “Quadragésima die
Christus pro nobis tradétur” (Daqui a quarenta dias Cristo será entregue por
nós), abreviação de quadragésima. Relembra-nos também os quarenta dias que
Jesus passou no deserto orando e jejuando (Mt 4, 1-2). Trata-se de um tempo
litúrgico que tem início na quarta-feira de cinzas e se estende até a
quinta-feira santa (missa do lava-pés); entretanto, as penitências continuam
até domingo. Sua cor litúrgica é o roxo, significando luto e penitência, e são
suprimidos os cantos de alegria: “Glória” (exceção para eventuais solenidades)
e o “Aleluia”, os quais só serão cantados novamente na missa da Vigília Pascal.
É um período de forte apelo à conversão, palavra
oriunda do termo metanoia, que, por sua vez, tem raiz no grego e significa mudança de rumo, de direção,
transformação espiritual. De fato, todos os dias somos chamados à conversão, a
fazer um exame de consciência (reflexão) sobre nossa vida e mudar aquilo que
necessita ser mudado (é o que chamamos também de combate espiritual),
retornando ao caminho de Deus; contudo, a quaresma é o tempo especial e
favorável para tal atitude, em que a Igreja se prepara visando a celebrar menos
indignamente a Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Quaresma é também tempo
de penitência. “A palavra penitência tem dois significados. Em primeiro lugar,
temos a virtude da penitência, a virtude sobrenatural que nos leva a detestar
os nossos pecados por um motivo que a fé nos dá a conhecer, e ao propósito
consequente de não ofender mais a Deus e de desagravá-lo por isso.” [1] O outro
significado refere-se ao Sacramento da Penitência (Reconciliação ou Confissão),
ao qual devemos recorrer, no mínimo uma vez por ano, para sermos perdoados de
nossos pecados e nos apresentarmos à comunhão eucarística.
“Há três coisas, meus
irmãos, três coisas que mantém a fé, dão firmeza à devoção e perseverança à
virtude. São elas a oração, o jejum e a misericórdia.” [2] Nesse trecho, São
Pedro Crisólogo nos exorta a vivenciar três modos de penitência interior para a
quaresma: o jejum, a oração e a caridade, “que exprimem a conversão com relação
a si mesmo, a Deus e aos outros” [3]. Todos os dias quaresmais, exceto os
domingos, são dias de penitência.
“A oração define-se
como a elevação da mente e do coração a Deus.” [1] Oportunidade de voltarmo-nos
para Ele cheios de gratidão e pedirmos pelos familiares e amigos, mas também
pelos inimigos, pelos que sofrem com a injustiça social e com a falta de amor.
Para nós, católicos, não há oração mais sublime do que a Santa Missa; portanto,
é um bom momento para aumentar a frequência, por exemplo, ir à missa outro(s)
dia(s) além dos domingos e demais dias de preceito, e a fidelidade (esforçar-se
para não chegar atrasado nem sair mais cedo, procurar concentrar-se no que está
sendo dito, aprender mais sobre a missa, entre outras formas). Ademais, é
aconselhável a adoração ao Santíssimo Sacramento, a oração do Santo Terço e a
leitura meditada da Sagrada Escritura com mais frequência. Lembre-se de que a
oração pede também o hábito e a perseverança.
O jejum é uma
disciplina mais relacionada à alimentação, contribui para adquirirmos o domínio
sobre nossos instintos e a liberdade de coração. De fato, só quem domina a si
mesmo pode-se dizer livre, quem não é escravo e refém de seus impulsos e
desejos, mas sabe controlá-los. “A primeira e indispensável penitência quaresmal é
no tocante à comida e à bebida: sem renúncia a algum alimento não há prática
quaresmal! Cada um deve escolher uma pequena prática penitencial para este
tempo” [5]. O jejum é obrigatório, no mínimo, na quarta-feira de cinzas e na
sexta-feira da Paixão para pessoas entre 18 e 59 anos (inclusive), os maiores
de 14 anos estão obrigados já a fazer algum tipo de abstinência (refrigerante
ou doce, por exemplo). De fato, todas as sextas-feiras do ano, conforme
prescrição do Código de Direito Canônico, são dias de penitência obrigatórios,
em que o fiel deve abster-se de carne ou outro alimento indicado pela sua
Conferência Episcopal; no Brasil, a CNBB deixa a cargo do fiel a escolha do
alimento. O jejum nos ensina que precisamos especialmente de Deus, muito além de
qualquer coisa ou pessoa, pois Ele é que nos sustenta.
“A caridade é a
virtude teologal (divina) pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas (...) e
a nosso próximo como a nós mesmos” [4]. Como sugestão, podemos praticar a
caridade seguindo as obras de misericórdia corporais e espirituais. As
corporais são 1. Visitar e cuidar dos enfermos; 2. Dar de comer a quem tem
fome; 3. Dar de beber a quem tem sede; 4. Dar pousada aos peregrinos; 5. Vestir
os nus; 6. Redimir os cativos; 7. Enterrar os mortos. Por sua vez, as obras de
misericórdia espirituais são 1. Ensinar a quem não sabe; 2. Dar bom conselho a
quem dele necessita; 3. Corrigir a quem erra; 4. Perdoar as injúrias; 5.
Consolar o triste; 6. Sofrer com paciência os defeitos do próximo; 7. Rogar a
Deus pelos vivos e pelos mortos. “O que a chuva é
para a terra, é a misericórdia (caridade) para o jejum. Por mais que cultive o
coração, purifique o corpo, extirpe os maus costumes e semeie as virtudes, o
que jejua não colherá frutos se não abrir as torrentes da misericórdia” [2]. Normalmente,
a prática da caridade é resumida na esmola; todavia, nem só com dinheiro se
pode ajudar o próximo, mas também com outras formas de ajuda material e mesmo
com uma simples oração, deve-se buscar o correto discernimento de como ajudar,
conforme a situação concreta e as possibilidades de cada um. Tenhamos o
especial cuidado de não submetermos as pessoas ao nosso julgamento humano repleto de preconceitos.
Por fim, a quaresma é tempo de misericórdia, ou seja, tempo de
aproximar as nossas misérias do coração de Deus, para que assim elas sejam
purificadas e vencidas. Além de receber, devemos também ofertar a nossa
misericórdia aos irmãos, buscando a reconciliação com o próximo.
Leia aqui a mensagem do Papa Bento XVI para a quaresma de 2012.
Leia aqui a mensagem do Papa Bento XVI para a quaresma de 2012.
A todos, meus votos de uma Santa Quaresma!
[1] Leo J. Trese. A fé explicada. Editora Quadrante.
[2] São Pedro
Crisólogo, bispo do século IV.
[3] Catecismo da
Igreja Católica, nº 1434.
[4] Catecismo da
Igreja Católica, nº 1822.
[5] Dom Henrique Soares da Costa. Quaresma: um caminho a ser feito em direção a
Cristo.