O
cristão deve constantemente refletir se realmente está fazendo da sua vida um “seguimento
de Cristo”, se está aberto a ouvir a Sua vontade e, dessa forma, busca
realizá-la. Entretanto, continuando esse pensamento inicial, o que é ser
Cristão? Bem, para essa questão pode haver respostas diferentes, adoto aqui a
de minha predileção: ser cristão é conformar-se a Cristo, e conformar significa
tomar a mesma forma; assim, ser cristão é buscar tomar a forma de Jesus em
todas as situações. Sem dúvidas um grande desafio!
Pode-se
tomar a forma de Cristo em situações simples e agradáveis do cotidiano, como na
hora do almoço, vivendo a fraternidade em família; em uma conversa alegre entre
amigos; em uma festa para celebrar o matrimônio de um casal querido, entre
outras situações. Deve-se, porém, estar disposto a também tomar a forma de
Cristo na cruz, entregando a Ele as próprias dificuldades, indo ao encontro do
irmão que precisa de cuidado e atenção ou gastando e doando a vida por aqueles
que dela necessitam. Dizia São João Bosco que nossa vida é um presente de Deus e o que fazemos dela é o nosso presente
a Ele.
O
seguimento de Cristo é descrito na doutrina tradicional sobre a vida interior e
a experiência mística (vivência espiritual concreta), que aponta três etapas ou
vias, as quais não são diversas, mas partes de um mesmo caminho, e o caminhar
lembra conversão, visto que diariamente se percorre um itinerário de mudança e
aperfeiçoamento, buscando conformar-se cada vez mais ao Mestre.
A
primeira via de que se fala é a via
purgativa, “se for bem entendida, a observância dos mandamentos é
sinônimo da via purgativa: de fato significa vencer o pecado, o mal moral nas
suas diversas formas; e isto leva a uma progressiva purificação interior” [1].
Trata-se da fase inicial, em que é necessário mais atentamente vigiar a si
mesmo, haja vista a maior tendência às paixões, ao egoísmo e ao “hábito de
pecado”.
Simultaneamente,
com essa purificação, descobrem-se os valores mais elevados e passa-se então à via iluminativa. “Com efeito, os
valores são luzes que iluminam a existência e, à medida que o homem se esmera a
si próprio, brilham cada vez mais intensamente no horizonte da sua vida. Por
isso, juntamente com a observância dos mandamentos – observância que tem
primariamente um significado purificador – vão-se desenvolvendo no homem as
virtudes” [1]. Desse modo, o indivíduo é guiado pelas virtudes que aprende e o
seguimento torna-se mais natural, sem parecer grande esforço. “Com o passar do
tempo, se o homem seguir com perseverança o Mestre que é Cristo, sentirá cada
vez menos dentro de si o peso da luta contra o pecado e passará a gozar sempre
mais da luz divina que penetra toda a criação” [1].
Por
fim, surge a via unitiva, em
que a alma experimenta uma especial união com Deus, “o homem encontra Deus em
tudo, está em contato com ele em tudo e através de tudo. As coisas criadas
deixam de ser um perigo para ele, como o eram sobretudo quando percorria a via
purgativa; as coisas, e particularmente as pessoas, não só readquirem a luz
própria que lhes conferiu o criador, mas de certo modo ‘tornam acessível’ – se
assim se pode dizer – o próprio Deus no modo como Ele quis revelar-se ao homem,
ou seja, como Pai, Redentor e Esposo” [1]. Realiza-se aquilo sobre o que o
apóstolo Paulo falava: “Eu vivo, mas
já não sou eu; é Cristo que vive em mim” [2]. Certamente, não é fácil chegar a tal
união; contudo, deve-se procurá-la sempre, principalmente através da vida de
oração, da busca dos Sacramentos, em especial a Eucaristia e a Reconciliação
(confissão), e de uma vivência coerente e autêntica em busca da Verdade,
anunciando a boa nova de Cristo com a própria vida.
O Catecismo da Igreja Católica ensina, logo no
início, que “o desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem
é criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair o homem a si, e
somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa
de procurar” [3]. O que faz o ser humano superior a toda a criação não é tanto
a sua razão, mas especialmente o fato de que ele é chamado para Deus, “o
aspecto mais sublime da dignidade humana está nesta vocação do homem à comunhão
com Deus” [4].
O seguimento de Cristo tem também uma dimensão
existencial, implica certos compromissos e responsabilidades para quem quer
segui-lo, aos quais se deve estar sempre disposto a abraçar, mesmo que apareçam
calvários e cruzes, pois, como diz Santo Agostinho, “fizeste-nos para Vós e o
nosso coração não descansa enquanto não repousar em Vós” [5]. O coração de cada
ser humano está inquieto e só em Deus encontrará a plena realização da própria
humanidade.
[1]
João Paulo II. Memória e Identidade. Editora
Objetiva;
[2]
Gl 2, 20;
[3] Catecismo da Igreja Católica, 27.
Editora Loyola;
[4] Constituição Pastoral Gaudim et Spes,
sobre a Igreja no mundo atual;
[5]
Santo Agostinho. Confissões I, 1,1. Editora
Paulus.