Antes de iniciarmos
propriamente, dois pedidos: não deixe que a preguiça o impeça de ler o texto
por inteiro, isso já faz parte da dinâmica do que será proposto. Faça a leitura
quando dispuser de tempo para uma autoanálise, a pressa será, aqui, uma adversária.
A partir de agora, vamos
fazer uma viagem, talvez das mais difíceis que já fizemos. Para onde vamos,
então? Para dentro de nós mesmos, conhecer um pouco mais o abismo que somos
nós, em uma viagem que deve ser feita todos os dias de nossa vida. O
conhecimento próprio tem em vista saber como somos para saber como devemos ser,
exige especialmente que nos comparemos com o que Deus quer e espera de nós.
Para a nossa tarefa,
precisamos de alguns parâmetros que nos guiem nesta viagem, sinais que nos
indiquem o caminho. Podemos nos examinar, pois, à luz dos sete vícios capitais
e das sete virtudes que usamos para combatê-los. As virtudes são de grande ajuda na busca da vocação universal dos cristãos: a santidade.
Antes de começarmos, entretanto, atentemos a
algumas informações importantes:
1. Nesta viagem, analisemo-nos sob o olhar de Deus: como nos diz o
profeta Samuel, “o homem vê o rosto, a aparência, mas Deus vê o coração” (1 Sm
16, 7). O olhar dEle não disfarça ou esconde o que precisa ser mostrado, traz à
superfície não só os frutos, bons ou maus, da nossa vida, mas também a raiz, as
motivações (ou causas) às vezes desconhecidas do nosso agir e do nosso pensar.
2. Evitemos o subjetivismo: quando sofremos desse problema, negamos que exista a
Lei de Deus (o amor a Ele, ao próximo e a nós mesmos) como regra maior pela
qual medir o valor dos nossos atos e, consequentemente, afirmamos a supremacia
absoluta da própria consciência como norma de conduta; assim, somos corrompidos
pelo nosso egoísmo e pelas ideias da moda. No fim das contas, o subjetivista
diz: “Eu me basto, sei o que é melhor pra mim, não preciso de ninguém para me
dizer”.
Os sete vícios capitais (ou
pecados capitais, ou ainda doenças espirituais) são soberba, ira, inveja, luxúria,
gula, avareza e preguiça. São chamados capitais porque são a raiz e a fonte de
todas as falhas de comportamento, geram outros defeitos e pecados. Vamos tratar
brevemente sobre cada um. Durante o percurso, devemos nos examinar e perceber
quais nos afetam mais, pois é a estes que precisamos combater por primeiro.
Combater como? Com as virtudes que serão propostas logo abaixo de cada vício,
força de vontade, perseverança e, acima, de tudo, com a graça de Deus; afinal,
como nos ensina uma velha regra teológica: “Deus não nega a sua graça a quem
faz o que pode”. Boa viagem!
·
A soberba é a procura desordenada da
própria glória, um amor-próprio doentio que nos coloca sempre em primeiro
lugar, em destaque. Se pudesse, o soberbo rezaria “seja feita a minha vontade assim na terra como no
céu”. A soberba gera o egoísmo, a vaidade, o orgulho, a ambição desmedida,
entre outros pecados.
- Humildade: é o
reconhecimento da nossa pequenez, da verdade sobre nós mesmos, sabendo que tudo
é dom de Deus. Devemos recorrer a Nossa Senhora, que é
exemplo de humildade, para pedir essa virtude.
·
A avareza consiste no apego e no desejo
desmedido dos bens temporais, do que é material e passageiro, como o dinheiro.
A avareza pode originar, entre outros pecados, o roubo, a mesquinhez, a
injustiça com as outras pessoas e a indiferença para com os mais pobres.
- Generosidade: é o despojamento quanto aos bens materiais,
compartilhando-os com aqueles que necessitam. Também é a atitude daquele que
coloca a própria vida a serviço do próximo. Deus é generoso com seus filhos,
portanto, todo cristão deve ser generoso com seu próximo.
·
A luxúria, ou impureza, é o exercício
desordenado e incorreto que o ser humano faz da sexualidade, que é dom de Deus,
devendo ser manifestada dentro da linguagem do verdadeiro amor. Trata-se da
atitude de quem coloca sua felicidade nos prazeres ligados à sexualidade,
daquele que busca desenfreada e egoisticamente o prazer, tratando o outro como
objeto. A luxúria pode ter como consequências: pecados evidentes contra a
castidade, atos desonestos, falsidade, perda da fé e desespero da misericórdia
divina.
- Castidade: é o
respeito pelo nosso corpo e pelo corpo do próximo, reconhecendo toda a
dignidade do ser humano, imagem e semelhança de Deus. Gera o domínio de si,
para a livre, gratuita e total doação ao outro. Em suma, é uma escola de amor.
·
A ira é um estado emocional desordenado,
de raiva excessiva, que retira a paz de nós mesmos e leva-nos a uma oposição
despropositada às pessoas, situações etc. Como efeitos da ira, podemos citar
homicídios, desavenças, injúrias e ódio.
- Mansidão: consiste
na calma, na tranquilidade, no equilíbrio emocional. O constante contato com
Deus através da oração contribui diretamente para alcançarmos essa virtude,
pois nos ajuda a refletir, sob a ótica de Deus, sobre nossos pensamentos e
atitudes.
·
A gula é a atração desordenada pela
comida ou bebida. O guloso costuma colocar o prazer da comida ou da bebida como
fonte maior de felicidade, ignora que o alimento é dom de Deus, pelo qual
devemos dar graças. Portanto, é possível ser guloso sem comer muito; trata-se,
na verdade, da atitude que temos diante do alimento. Popularmente, consiste
também no “comer com os olhos”, excessivamente. Além de prejudicar a saúde (o
que atenta contra o 5º mandamento: “não matar”), traz como consequência a perda
de forças para lutar contra as demais doenças espirituais, injustiça, egoísmo
etc.
- Temperança:
trata-se da moderação dos prazeres, perceber a medida certa, não passar dos
limites. Não há dúvidas de que os prazeres são dom de Deus, são, para nós, uma
prefiguração dos prazeres celestes e nos fazem querer estar com Deus; contudo,
quando em excesso, prejudica-nos, pois acabamos trocando o Criador pelas
criaturas.
·
A inveja é a tristeza causada pelo fato
de haver alguém feliz, alcançando seus objetivos, o sofrimento pela melhor
sorte dos outros, ou seja, é pensar que o outro nunca poderá estar em situação
melhor do que a nossa. Produz o ódio, a calúnia, o ressentimento, entre outros
males.
- Caridade: é a
virtude pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós
mesmos, por amor de Deus. A caridade nos ajuda a querer o bem do próximo, a
desejar sua felicidade e a se alegrar junto com ele.
·
Por
fim, temos a preguiça ou acídia, que
consiste em fugir das obrigações, dos compromissos e dos trabalhos pelo esforço
que estes implicam. É a atitude daquele que se conforma com a mediocridade, que
se acomoda, até mesmo na busca pela santidade. Causa o desleixo na vida de
oração, faltas injustificadas à Santa Missa dominical e em dias de preceito,
fuga das obrigações familiares e profissionais (estudar também é uma
profissão), entre outros defeitos.
- Diligência:
trata-se de cumprir nossas obrigações e compromissos com todo amor, como se
tudo estivesse sendo feito para Deus. Todos os nossos esforços diários podem
ser oferecidos a Ele, na esperança de que sejam uma oferta agradável.
Chegamos ao fim da nossa
viagem. Como foi a experiência? Certamente difícil e incômoda, afinal encaramos
nossos próprios defeitos e pecados. Felizmente, temos ao nosso lado um Deus
infinitamente misericordioso, que nos ama mais do que podemos imaginar ou
compreender; temos os Sacramentos, em especial a Eucaristia e a Confissão;
temos Maria, nossa mãe e intercessora; e todos os anjos e santos ao nosso lado.
Após aprofundarmos o conhecimento sobre nós
mesmos, é necessário buscarmos corrigir os problemas verificados, ou seja,
buscar propósitos concretos e realistas, sem medo ou disfarces, mesmo que nos
custe alguns sacrifícios e renúncias. São João Bosco dizia que a vida é um
presente de Deus para nós, e o que fazemos dela é o presente que damos a Ele.
Que tal começarmos por uma boa confissão, uma visita ao Santíssimo Sacramento,
para alguns minutos de oração, e a participação na Santa Missa?
Deus
nos abençoe e Maria nos proteja!